(Matsuno Dono Goke Ama Goze Gohenji – Págs. 1390 a 1393)
O capítulo Anrakugyo, do quinto volume do Sutra de Lótus afirma: "Bodhisattva Monjushiri, quanto a este Sutra de Lótus, em número incontável de países não é possível ouvir nem mesmo o seu nome".
Esta passagem indica que nós, seres vivos, transmigrando pelos seis caminhos do mundo tríplice, nascemos algumas vezes no mundo da alegria, outras vezes na Tranqüilidade e ainda outras vezes nos mundos de Inferno, Fome e Animalidade. Assim, temos nascido em incontáveis número de países, onde passamos por inumeráveis sofrimentos e ocasionalmente desfrutamos prazeres, mas nem uma só vez nascemos num país onde o Sutra de Lótus tenha se propagado. Ou, mesmo que tenhamos eventualmente nascido em tal país, não recitamos o Nam-myoho-rengue-kyo. Jamais sonhamos em recitá-lo e nem ouvimos outros recitarem-no.
Para ilustrar a extrema raridade de encontrar este sutra, o Buda comparou-a com a dificuldade da tartaruga de um olho encontrar um tronco flutuante de sândalo com uma abertura sobre ele. Esta seria a essência dessa analogia: ‘no leito do oceano, a oitenta mil yojana de profundidade, vive uma tartaruga. Ela não tem membros nem nadadeiras. Seu ventre é como ferro em brasa, e o dorso de seu casco é gelado como as Montanhas Nevadas. O que essa tartaruga anseia dia e noite, da manhã ao anoitecer – o desejo que expressa a cada momento – é resfriar seu ventre e aquecer o dorso do seu casco.
O pé de sândalo vermelho é considerado sagrado, assim como um sábio entre as pessoas. Todas as outras árvores consideradas comuns são comparada às pessoas ignorantes. A madeira desse pé de sândalo tem o poder de resfriar o ventre da tartaruga. A tartaruga deseja por todos os meios subir no tronco de sândalo e colocar seu ventre na abertura do mesmo para resfriá-la, e ao mesmo tempo expor o dorso ao sol para aquecê-lo. Entretanto, pelas leis da natureza, ela pode subir à superfície do oceano uma vez a cada mil anos, e mesmo assim, é difícil para ela encontrar um tronco de sândalo. O oceano é vasto e a tartaruga pequena, e os troncos flutuantes são poucos. Mesmo encontrando troncos de outras madeiras, raramente encontra um de sândalo. Mesmo tendo a sorte de encontrar um tronco de sândalo, raramente ele tem a abertura do tamanho do seu ventre. Se (a abertura for muito grande e…) cair dentro dela, não poderá aquecer o seu dorso do seu corpo e ninguém poderá tirá-la de lá. Se a abertura for muito pequena, a tartaruga não poderá colocar seu ventre nela, e as ondas a arrastarão para for a, fazendo-a mergulhar de volta para o fundo do oceano.
Mesmo quando, vencendo todas as adversidades, a tartaruga encontrar um tronco flutuante de sândalo com uma abertura do tamanho adequado, por ela ter um só olho, a sua visão é distorcida, e vê o tronco ir para leste quando ele está realmente indo para oeste. Assim, quanto mais apressadamente ela nada para subir no tronco, mais se afasta dele. Quando o tronco vai para leste, ela o vê indo para oeste e, de maneira semelhante, confunde o sul com o norte. E assim, sempre se afasta do tronco e jamais se aproxima dele.
Dessa maneira, o Buda explicou como é difícil para a tartaruga de um olho encontrar um tronco flutuante de sândalo com uma abertura adequada sobre ele, mesmo uma só vez em incontáveis e infinitos kalpas. Ele usou essa analogia para ilustrar a raridade de encontrar o Sutra de Lótus. Entretanto, é preciso estar ciente de que mesmo encontrando o tronco flutuante de sândalo do Sutra de Lótus, e ainda mais raro encontrar a abertura da Lei Mística do Nam-myoho-rengue-kyo, que é difícil de recitar.
O oceano representa o mar dos sofrimentos do nascimento e da morte e a tartaruga representa a nós, os seres vivos. Sua falta de membros indica a nossa falta de boa sorte. O calor do seu ventre representa os oito infernos quentes aos quais somos levados pela nossa ira e ressentimento, e o frio do dorso de seu casco representa os oito infernos frios que resultam da nossa cobiça e ganância. Sua permanência no fundo do oceano indica que caímos nos três maus caminhos e não podemos emergir facilmente. Sua ascensão à superfície somente uma vez em cada mil anos ilustra a dificuldade de emergir dos três maus caminhos e nascer como ser humano mesmo uma só vez em incontáveis kalpas, na época em que o Buda Sakyamuni apareceu neste mundo.
Outros troncos flutuantes, como os do pinheiro e do cipreste, são fáceis de serem encontrados, mas um tronco de sândalo é difícil de ser encontrado. Isso ilustra que é fácil encontrar os outros sutras, mas que é difícil encontrar o Sutra de Lótus. E mesmo que a tartaruga encontre um tronco flutuante de sândalo, encontrar um com uma abertura adequada sobre ele é ainda mais difícil. Isso significa que, mesmo que alguém encontre o Sutra de Lótus, é raro vir a recitar os cinco caracteres do Myoho-rengue-kyo, que é a sua essência.
A tartaruga confunde o leste com o oeste e o norte com o sul. Semelhantemente, os mortais comuns consideram ensinos superiores como sendo inferiores e ensinos inferiores como sendo superiores, apesar dele exibirem seus conhecimentos e fingirem ser sábios. Eles consideram ensinos sem força como sendo capazes de conduzir à iluminação e declaram que os ensinos inapropriados à capacidade das pessoas são adequados a elas. Assim, acreditam que o ensino Shingon é superior e o Sutra de Lótus é inferior, e que o primeiro adapta-se às capacidades das pessoas, e que o último não.
Pondere bastante sobre o que acabo de relatar. O Buda fez seu advento na Índia e pregou vários ensinos sagrados durante sua vida. No quadragésimo terceiro ano de sua vida de pregações ele começou a expor o Sutra de Lótus. Nos oito anos subsequentes, todos os seus discípulos abraçaram o Sutra de Lótus, que se compara a uma pedra dos desejos. Entretanto o Japão distancia-se da Índia em duzentos mil ri de montanhas e mares, de tal modo que o povo daqui não pode nem mesmo ouvir o Sutra de Lótus.
Um mil, duzentos e mais anos após o falecimento do Buda Sakyamuni, o Sutra de Lótus havia sido trazido para a longínqua China, mas ainda não havia sido transmitido ao Japão. Um mil, quinhentos e mais anos após falecimento de Sakyamuni, o Budismo foi trazido de Paekche para o Japão durante o reinado do trigésimo governante do Japão, o imperador Kinmei. Além disso, nos setecentos aos que haviam se passado desde que o príncipe Shotoku fez o Budismo vir pela primeira vez da China, o Sutra de Lótus e todos os outros sutras foram propagados amplamente de modo que, desde o governante até o povo comum, as pessoas sensatas vieram a abraçar a totalidade ou um volume ou capítulo do Sutra de Lótus, a fim de retribuir a gratidão aos seus pais. Assim, elas acreditam que estão realmente abraçando o Sutra de Lótus. Mas, elas jamais recitaram Nam-myoho-rengue-kyo e, embora pareçam crer no Sutra de Lótus, estão longe de fazê-lo.
É como se a tartaruga de um olho, tendo encontrado o sândalo sagrado que é difícil de ser encontrado, não pusesse seu ventre na abertura. Não o fazendo, teria encontrado o sândalo sem finalidade alguma, e afundaria instantaneamente de volta ao fundo do oceano.
Nestes mais de setecentos anos, o Sutra de Lótus propagou-se largamente em nosso país, e aqueles que lêem, fazem oferecimentos ou abraçam este sutra são mais numerosos que mudas de arroz e cânhamo ou pés de bambu e junco. Entretanto, ninguém entre eles, recita o Nam-myoho-rengue-kyo, da mesma maneira como invoca o nome do Buda Amida, e nem diz aos outros para que o recitem. Ler os vários sutras ou invocar os nomes dos vários Budas é comparável à tartaruga encontrar um tronco de madeira comum. Não sendo sândalo, o tronco não pode resfriar o ventre da tartaruga. Não sendo o sol, não pode aquecer o dorso do seu casco. Tais ensinos meramente agradam os olhos e alegram a mente, mas não trazem benefícios. São como plantas que dão flores mas não frutos, ou como palavras que não são colocadas em prática.
Somente Eu, Nitiren, recitei pela primeira vez o Nam-myoho-rengue-kyo no Japão. Nos vinte ou mais anos desde o verão do quinto ano da era Kentyo (1253), vim recitando Nam-myoho-rengue-kyo sozinho dia e noite, da manhã ao anoitecer. Aqueles que recitam o Nembutsu são dez milhões. Não disponho de apoio de nenhuma autoridade, enquanto os aliados da Nembutsu possuem poder e são de nobre estirpe. Entretanto, quando o leão ruge, todos os outros animais silenciam, e o cão se aterroriza como a sombra do tigre. Assim que o sol se levanta no céu do oriente, as luzes de todas as estrelas desvanecem completamente.
A invocação do nome de Amida tem exercido influência onde o Sutra de Lótus não foi propagado. Mas, uma vez estabelecida a invocação do Nam-myoho-rengue-kyo, a Nembutsu será como um cão acovardando-se diante do leão ou a luz das estrelas desvanecendo perante o Sol. O Daimoku e a Nembutsu são tão diferentes quanto o falcão e o faisão. Eis porque todas as quatro espécies de pessoas vêem-me com inveja e porque todos, das posições elevadas às baixas, sentem aversão por mim. Aqueles que fazem acusações infundadas contra mim povoam o país e os corruptos abarrotam a terra. Assim, o povo escolhe o que é inferior e detesta o que é superior. É como se alguém afirmasse que o cão é mais valente do que o leão, ou que as estrelas são mais brilhantes do que o Sol. Assim, minha má reputação como homem de idéias errôneas espalhou-se para longe e amplamente, de tal forma que eu fui de variadas maneiras acusado falsamente, difamado, atacado a espada e bastão, e mais de uma vez exilado. Todas as perseguições coincidem perfeitamente com a passagem do quinto volume do Sutra de Lótus. Assim, lágrimas brotam em meus olhos e a alegria enche o meu corpo.
Não tenho aqui vestuário suficiente para cobrir meu corpo nem provisões bastantes para sobreviver. Sou como Su Wu, que se sustentou comendo neve enquanto viveu entre os bárbaros do norte, ou então Po I, que sobreviveu com samambaias quando viveu no monte Shou-yang. Quem, a não ser meus pais, se daria ao incômodo de visitar-me neste lugar ? Se não fosse a proteção dos três tesouros, como eu poderia sustentar minha vida por um só dia ou mesmo por um só momento ? Posso somente maravilhar-me com o fato da senhora enviar-me um mensageiro com tanta freqüência, quando nós são chegamos sequer a nos encontrar. O quarto volume do Sutra de Lótus afirma que o Buda Sakyamuni tomará a forma de um mortal comum para fazer oferecimentos ao devoto do Sutra de Lótus. Teria tal fato manifestado em sua vida, ou seria isto a expressão da sua virtude acumulada no passado ?
Uma mulher conhecida como a filha do Rei Dragão atingiu o estado de Buda através da fé no Sutra de Lótus, e assim ela jurou proteger as mulheres que abraçassem este sutra na última era. Estaria a senhora relacionada com ela ? Quão digno de respeito !
Nitiren
Em 26 de março de 1279
Do sinal cíclico tsuchinoto-u
Fundo de Cena
Nitiren Daishonin escreveu esta carta no monte Minobu, em 26 de março de 1279, à viúva de Matsuno Rokuro Zaemon Nyudo, que residia em Matsuno, no distrito Ihara, província de Suruga. A filha de Matsuno despojou Najo Hioe Shitiro, pai de Nanjo Tokimitsu, e acredita-se que eles tenham se convertido aos ensinos de Daishonin através dessa ligação com a família Nanjo. Nitiji, um dos seis maiores discípulos- bonzos de Daishonin, foi um dos seus filhos. Acredita-se que Matsuno Rokuro Zaemon tenha falecido em 1278, um ano antes deste gosho ser escrito.
Naquele tempo, os desastres eram freqüentes no Japão, e em particular, a fome que persistiu no outono e no inverno de 1278 gerou indescritível miséria. Numa carta a Nanjo Tokimitsu, datada de outubro de 1278, Daishonin escreveu:
"No ano passado e neste, uma grande epidemia surgiu neste país e pessoas morreram como árvores derrubadas por um vendaval ou capim esmagado pela neve. Parece que nem uma só pessoa será deixada com vida…Nos oitavo e nono meses, houve pesadas chuvas e fortes ventos, de modo que em todo o Japão perderam-se colheitas e os sobreviventes estão quase impossibilitados de sobreviverem"(Gosho Zenshu, pág.1552)
Esta passagem nos permite entrever as circunstâncias sob as quais Daishonin e seus seguidores lutaram para empreender a fé. Apesar dessas dificuldades, mesmo após a morte do seu marido, a senhora Matsuno freqüentemente enviava oferecimentos a Daishonin em seu retiro no monte Minobu, embora esta carta pareça indicar que ela não o tenha encontrado pessoalmente. A passagem conclusiva elogia sua dedicação.
Nesta carta, detalhando a história da tartaruga de um olho só, mencionada no capítulo Myoshogonno (vigésimo sétimo) do Sutra de Lótus, Daishonin explica como é raro e maravilhoso encontrar o Sutra de Lótus, e mais ainda, encontrar a Lei Mística do Nam-myoho-rengue-kyo. E então, recordando brevemente a introdução do Sutra de Lótus da Índia à China, e depois ao Japão, Daishonin observa que, embora o Sutra de Lótus tenha se propagado desde há tempo no país e as pessoas aparentemente o respeitem, ninguém recita o daimoku, que é o seu núcleo. Assim, embora pensem que estão crendo no Sutra de Lótus, ninguém pratica realmente o Sutra de Lótus ou desfruta os benefícios que ele tem a oferecer.
A parte final do gosho toca brevemente na luta tenaz de Daishonin por um período de mais de vinte anos após haver publicamente proclamado a lei do Nam-myoho-rengue-kyo. Ele enfrentou pessoalmente todas as perseguições que o Sutra de Lótus previa para o devoto nos Últimos Dias da Lei. Todavia, em vez de desestimulá-lo, a oposição que encontrou fortaleceu a sua convicção de que ele próprio estava cumprindo a missão do devoto do Sutra de Lótus dos Últimos Dias da Lei – uma convicção que o enchia de irresistível alegria, mesmo entre as dificuldades. Na conclusão, Daishonin expressa sua admiração e gratidão à sincera devoção da senhora Matsuno.
Um comentário:
Este é um dos meus goshos favoritos.
Sinto-me extremanente grata em ter encontrado o Sutra de Lótus nesta existência, e mais precioso ainda recitando o Nam-Myoho-Renguê-Kyo!
Deixo neste oceano virtual minha eterna gratidão...
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