"Quando sua determinação muda, tudo o mais começa a se mover

em direção ao seu desejo".

3 de jan. de 2009

GOSHO - O Portão do Dragão

(Ueno Dono Gohenji – Págs. 1560 a 1561)

Na China há uma cachoeira chamada Portão do Dragão. Suas águas precipitam-se de uma altura de mais de trinta metros e são mais velozes que uma flecha atirada por um forte arqueiro. Afirma-se que milhares de carpas reúnem-se na bacia abaixo esperando subir as cataratas, pois aquela que conseguisse esse intento transformar-se-ia num dragão. Contudo, nem uma única carpa em cem, mil, ou mesmo dez mil, consegue escalar a queda d’água, nem após dez ou vinte anos. Algumas são arrastadas pelas correntes intensas, algumas caem presas de águias, falcões, milhafres e corujas, e outras são presas em redes, ou até mesmo atingidas pelas flechas de pescadores que se alinham em cada uma das margens da vasta cachoeira. Tal é a dificuldade que uma carpa enfrenta para se tornar um dragão.
Houve, certa vez, dois importantes clãs guerreiros no Japão – Minamoto e Taira. Eles eram como dois fiéis cães de guarda nos portões do Palácio Imperial. Eles eram tão ansiosos para proteger o imperador quanto um lenhador o é para admirar a lua cheia quando esta surge detrás das montanhas. Eles maravilhavam-se com as festas elegantes dos nobres da corte e suas damas, assim como os macacos das árvores se enlevam com a visão da lua e estrelas brilhando no céu. Embora fossem de classe inferior, eles almejavam encontrar algum modo de misturarem-se nos círculos da corte. Porém, embora Sadamori do clã Taira tenha dominado a rebelião de Masakado, ainda assim não foi admitido para a corte. Nenhum de seus descendentes, incluindo o famoso Masamori, o foi. Nunca até a época do filho de Masanori, Tadamori, nenhum membro do clã Taira teve permissão para entrar para a corte. Na linhagem seguinte, Kiyomori, e seu filho Shiguemori, não somente desfrutaram a vida entre os nobres da corte, mas também se tornaram diretamente relacionados com o trono quando a filha Kiyomori casou-se com o imperador e teve um filho com ele.
Atingir o Estado de Buda não é mais fácil que homens de posição inferior penetrarem nos círculos da corte ou carpas escalarem o Portão do Dragão. Shariputra, por exemplo, praticou austeridades de bodhisattva durante sessenta aeons para atingir o Estado de Buda, mas no final, rendeu-se aos obstáculos e caiu novamente nos caminhos dos dois veículos. Até mesmo alguns daqueles ensinados por Sakyamuni, quando ele foi o décimo-sexto filho do Buda Daitsu, caíram no mundo dos sofrimentos durante um período de sanzen jintengo. Alguns outros ensinados por ele no passado remoto, quando atingiu a iluminação pela primeira vez, sofreram por um período de gohyaku jintengo. Todas estas pessoas praticaram o Sutra de Lótus, mas, quando perseguidas pelo Demônio do Sexto Céu na forma de seus soberanos ou outras autoridades, abandonaram sua fé e, deste modo, vagaram entre os seis caminhos por incontáveis aeons.
Até o presente momento, esses eventos pareciam não ter nenhuma relação conosco. Contudo, agora nos encontramos enfrentando o mesmo tipo de perseguição. Haja o que houver, todos os meus discípulos devem alimentar o grande desejo de atingir a iluminação. Somos realmente afortunados de estarmos vivos após devastadoras epidemias que ocorreram no ano passado e retrasado. Porém, agora com a iminente invasão mongol, parece que poucos sobreviverão. No final, ninguém pode escapar da morte. Os sofrimentos na época da invasão não são piores do que aqueles que qualquer um dos casos, deve estar disposto a oferecer sua vida pelo Sutra de Lótus. Pense nesse oferecimento como uma gota de orvalho reunindo-se ao oceano ou uma partícula de areia retornando à terra. Uma passagem do sétimo capítulo do Sutra de Lótus diz: "O nosso desejo é compartilhar esses benefícios igualmente com todas as pessoas, e nós, juntos com elas, atingiremos o Estado de Buda".
Com profundo respeito
Nitiren
Em 6 de novembro de 1279
Pós-escrito:
Escrevi esta carta em profunda gratidão pelo encorajamento que o senhor está oferecendo àqueles envolvidos na perseguição de Atsuhara.

Fundo de Cena

Nitiren Daishonin escreveu esta carta em 6 de novembro de 1279, quando contava com 58 anos de idade e vivia no monte Minobu. O recebedor desta carta, Nanjo Tokimitsu (1259-1332), era o administrador da vila de Ueno, na província de Suruga, na área do Monte Fuji. Portanto, ele, algumas vezes, é referido como Lorde Ueno. Embora estivesse com apenas vinte anos na época em que este gosho foi escrito, as mortes prematuras do seu pai e irmão mais velho já haviam colocado sobre seus ombros a responsabilidade de cargo hereditário de administrador. Praticante desde a infância, ele foi um pilar para os seguidores de Nitiren Daishonin da área de Fuji e auxiliou sinceramente os esforços de propagação de Nikko Shonin, a quem ele respeitava e acatava grandemente.
Quando Nitiren Daishonin retirou-se para o Monte Minobu, Nikko Shonin assumiu a liderança ativa da campanha de propagação, concentrando o seu empenho na área ao redor do Monte Fuji. Não demorou muito até que o seu notável sucesso em conseguir conversões nessa área começasse a alarmar as autoridades locais. A partir de 1278, uma série de ameaças e atos violentos contra os praticantes aconteceram no vilarejo vizinho, Atsuhara, no Distrito Fuji. Esses incidentes, coletivamente conhecidos como Perseguição de Atsuhara, culminara na prisão ilícita de vinte praticantes leigos em 21 de setembro de 1279, e na execução de três deles em 15 de outubro, aproximadamente três semanas antes desta carta ser escrita. Durante este período tenso, Tokimitsu exerceu todos os esforços possíveis para proteger seus companheiros, escondendo alguns deles em sua casa e empenhando-se para a libertação daqueles que haviam sido presos. O pós-escrito deste gosho: "Escrevi esta carta em profunda gratidão pelo encorajamento que o senhor está oferecendo aqueles envolvidos na perseguição de Atsuhara", louva a atitude corajosa do jovem na ocasião.
Como administrador de uma vila, Tokimitsu estava diretamente a serviço do governo militar de Kamakura, cujas autoridades olhavam com desaprovação o seu apoio aos seguidores de Nitiren Daishonin. Eles fizeram represálias, impondo pesadas taxas punitivas à sua propriedade. A uma certa altura, ele não podia nem mesmo manter um cavalo – uma necessidade virtual para um oficial samurai – e sua esposa. Myoren, e seus filhos não possuíam roupas adequadas. Entretanto, o casal jamais vacilou em sua dedicação, continuando a enviar a Daishonin quaisquer provisões que lhe fossem possíveis, apesar das circunstâncias limitadas. Em anos posteriores, Nanjo Tokimitsu prosperou e doou a Nikko Shonin o trecho de terra chamado Oishigahara.
Vendo que os vinte praticantes camponeses de Atsuhara estavam dispostos a dar sua vida se necessário fosse, ao invés de negar sua fé, Nitiren Daishonin percebeu que um número suficiente de praticantes já possuía uma convicção sólida o bastante para que ele finalmente cumprisse o seu propósito máximo, o que ele efetuou em 12 de outubro de 1279, inscrevendo o Dai-Gohonzon como objeto de adoração para se atingir o estado de Buda nos Últimos Dias da Lei. Vinte e sete anos de provações e sofrimentos, que se iniciaram na ocasião em que Nitiren Daishonin declarou pela primeira vez o seu ensino de Nam-myoho-rengue-kyo, frutificaram naquele dia, e o acesso para o estado de buda foi assegurado para todas as pessoas desta época e do futuro.
Naquele tempo, o Japão enfrentava várias crises, tanto internas como externas. Durante os dois anos prévios, epidemias haviam assolado o país, deixando a morte em seu rastro, e agora o medo novamente tomava o povo, a medida que as notícias confirmavam os rumores de que o Grande Império Mongol logo tentaria uma segunda invasão. Em novembro de 1274, os exércitos de Klubai Khan haviam lançado uma esquadra de invasão maciça da Coréia contra as ilhas do sul do Japão, Iki e Tsushima. As fontes divergem quanto à proporção exata das força de ataque. Entretanto, indubitavelmente estava entre as maiores operações navais da antigüidade, envolvendo, provavelmente cerca de 450 navios carregando 15.000 tropas mongóis, e um número igual de marinheiros e auxiliares coreanos. Os mongóis estavam armados como bestas mortais que podiam alcançar 240 jardas e máquinas para atirar projéteis – a primeira experiência do Japão com a pólvora. Além disso, os oficiais mongóis possuíam longa prática em manobrar grandes corpos e tropas em formação, o que o Japão não possuía. Com relação a seus prisioneiros, os mongóis mostravam uma crueldade repugnante. Os japoneses resistiram corajosamente, mas somente uma tempestade inesperada, que levou a frota invasora a recuar ao mar, salvou-os do desastre.
Após cinco anos, chegaram notícias à nação de que uma segunda tentativa de invasão estava sendo preparada. Enquanto os proprietários de terras da principal ilha do sul, Kyushu, apressadamente erigiam fortificações de pedras, o governo de Kamakura recrutava soldados entre os seus vassalos e criados, enviando uma corrente de homens e equipamentos para o sul a fim de reforçar as guarnições de lá.
Além do temor geral da invasão, os seguidores de Nitiren Daishonin tinham uma razão mais específica para se preocuparem. O incidente de Atsuhara marcou a primeira ocasião em que a opressão dos oficiais do governo havia sido dirigida aos seguidores de Nitiren Daishonin, ao invés de meramente se dar como seguimento da perseguição voltada à sua pessoa. A execução do três mártires de Atsuhara, somada aos rumores inquietadores de que Nitiren Daishonin poderia ser exilado por uma terceira vez, sugeria que uma nova onda de perseguições das autoridades pudesse estar para irromper.
Através desta carta a Nanjo Tokimitso, um líder entre os praticantes, Nitiren Daishonin se refere diretamente as dúvidas e temores que provavelmente estavam atormentando seus seguidores. Ele enfatiza que aquele que determina dentro do seu coração a atingir o estado de Buda, com certeza, enfrentará grandes dificuldades. Uma vez que a morte é inevitável, ele diz, a pessoa deve dedicar a sua vida à busca da iluminação e devotar-se ao Sutra de Lótus. Agindo assim, ela conseguirá atingir o ilimitado e eterno estado de Buda.


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