"Quando sua determinação muda, tudo o mais começa a se mover

em direção ao seu desejo".

3 de jan. de 2009

GOSHO - Carta a Nakaoki Nyudo

(Nakaoki Nyudo Shosoku, pág. 1331-1335)

Recebi um kan de moedas que me enviou e relatei respeitosamente o fato na presença do Myoho-rengue-kyo.
O país, Japão, localiza-se em Jambudvipa, ao sul do Monte Sumeru. Jambudvipa mede sete mil yojana tanto em comprimento como em largura. Em Jambudvipa há oitenta e quatro mil países, isto é, as cinco regiões da Índia, dezesseis reinos maiores, quinhentos reinos intermediários, e dez mil reinos menores, bem como incontáveis países menores, como grãos de painço espalhados, e ilhas como partículas de poeira. Todas essas terras encontram-se no grande oceano, como folhas caídas flutuando lá e cá num lago. O nosso país, Japão, é uma pequena ilha neste oceano. Foi, outrora, tão pequeno que desaparecia de vista quando a maré subia – tornando-se visível somente quando a maré baixava – até as duas divindades aumentarem até o seu atual tamanho. Seu primeiro soberano humano foi um grande imperador chamado Jimmu. Por aproximadamente trinta reinados após o dele, nem um Buda, nem sutras, nem sacerdotes existiram neste país, apenas pessoas comuns e deuses. Como não havia budismo algum, as pessoas não conheciam o inferno nem aspiravam à terra pura. Mesmo quando a morte as separavam de seus pais ou irmãos, elas não tinham idéia de o que acontecia com os falecidos. Eles devem ter considerado a morte algo comparável ao desvanecer do orvalho ou ao pôr-do-sol e da lua.
Então, durante o reinado do trigésimo imperador, o grande governador Kinmei, o rei Songmyong de Paekche, um Estado a noroeste do Japão, enviou a este país uma imagem de bronze dourada do Buda Sakyamuni, uma série de sutras expostos pelo Buda, e vários sacerdotes para lê-los para o povo. Contudo, o Buda era uma estátua e não uma pessoa viva, e os sutras não possuíam semelhança nenhuma com as escritas. Os sacerdotes falavam, mas ninguém conseguia entender o que eles pregavam. Além disso, a aparência deles não era nem de homem nem de mulher. Por todos esses motivos, as pessoas ficaram desconfiadas e desanimadas. Os ministros da esquerda e da direita reuniram-se na presença do imperador e discutiram o assunto de vários ângulos. Prevaleceu a opinião de que o budismo não deveria ser adotado. Deste modo, a estátua do Buda foi rejeitada e os sacerdotes presos.
Então, no décimo quinto dia do segundo mês do segundo ano do reinado do imperador Bidatsu, o príncipe Shotoku, filho do Imperador Yomei, voltou-se ao leste e recitou “Namu Buda Sakyamuni”, e com isso as relíquias do Buda materializaram-se em sua mão. No sexto ano do reinado do imperador Bidatsu, o princípe leu e recitou o Sutra de Lótus. Desde então, mais de sete séculos decorreram e mais de sessenta imperadores reinaram, e o budismo gradualmente propagou-se por todo o Japão. Entre as sessenta e seis províncias e as duas ilhas, não há lugar algum onde este não tenha alcançado. Em cada província, cada distrito e cada cidade, vila e aldeia, recintos, pagodes e templos budistas foram construídos, e o budismo agora habita em 171.037 lugares. Homens de sabedoria tão brilhantes como o sol e a lua disseminaram o budismo geração após geração, e homens dignos que reluzem como as miríades de estrelas preenchem cada província. Em benefício de si mesmo, eles praticam a Shingon, os sutras Hannya e o Sutra Ninno, ou recitam o nome do Buda Amida, ou crêem em Kannon, Jizo, ou os mil budas, ou lêem e recitam o Sutra de Lótus. Porém, quando incentivam a prática de sacerdotes ignorantes e leigos, eles meramente dizem: “recite apenas o ‘Namu Amida Butsu”. Suponha que uma mulher tenha um bebê. Se a criança cair numa vala ou num rio, ou estiver sozinha, ela gritará ‘mamãe!’. Ouvindo isto, a mãe irá deixar tudo de lado e vir ao seu auxílio. O mesmo se mantém com relação ao Buda Amida. Nós somos as crianças e ele é a nossa mãe. Desta forma, se cair no abismo do Inferno ou no fosso da Fome, simplesmente recite ‘Namu Amida Butsu’, e ele jamais deixará de vir salvá-lo – assim como um eco segue um som”. É isso que todos esses homens de sabedoria têm dito sempre. Portanto, o nosso país, Japão, vem há muito seguindo o costume de recitar essa frase.
Agora, eu, Nitiren, não sou um morador da capital, o centro do país, nem filho de um general nas fronteiras. Sou meramente filho de um cidadão do povo e venho de uma província remota. Entretanto, recito Nam-myoho-rengue-kyo, que nem uma única pessoa no Japão jamais recitou durante os mais de setecentos anos passados. Além disso, declarei que recitar o nome do Buda Amida como as pessoas o fazem, reverenciando-o como o fariam a seus pais, ao sol e à lua, ou aos seus lordes, sentindo-se como se tivesse achado um navio para realizar uma travessia ou encontrado água quando estivessem com sede, ou alimento quando com fome, gera o carma que os levará a cair no inferno de incessante sofrimento. Eles ficaram, portanto, tão chocados e rancorosos como pedras tivessem sido cozidas com a sua comida, como se o cavalo deles tivesse tropeçado e saído em disparada, como se um tufão tivesse começando a soprar enquanto eles tivessem atravessando as águas de um rio ou lago, como se um grande incêndio tivesse irrompido numa área povoada, como se tivessem repentinamente sido atacados por um inimigo,ou como se uma prostituta tivesse se tornado uma imperatriz.
Contudo, durante vinte e sete anos, de 28 de abril de 1253, até agora – novembro de 1279, não recuei nenhuma vez e continuei a declarar cada vez mais energicamente – assim como a lua cresce ou a maré sobe. Inicialmente, quando eu, Nitiren, sozinho recitava o Daimoku, aqueles que me viam, encontravam, ou me escutavam tapavam seus ouvidos, fitavam-se com olhos furiosos, contorciam suas bocas, cerravam os punhos e rangiam os dentes. Até os meus pais, irmãos, mestres e amigos tornaram-se meus inimigos. Então, o administrador e o senhor feudal de onde eu morava voltou-se contra mim. Posteriormente, a província inteira estava em tumulto, e, no final, o povo todo ficou alarmado. Nesse interim, algumas pessoas começaram a recitar Nam-myoho-rengue-kyo ou para me imitar ou para zombar de mim, ou aparentemente por fé, ou aparentemente para me depreciar. Agora, um décimo das pessoas no Japão recita somente o Nam-myoho-rengue-kyo. Os nove décimos restantes são aqueles que recitam tanto o Daimoku com o nome do Buda Amida, os que hesitam entre os dois, e aqueles que recitam apenas a Nembutsu. As pessoas deste último grupo insultam-me como se eu fosse um inimigo de seus pais ou de seus lordes, ou um opositor declarado de uma existência passada. Os líderes da vila, distrito e províncias me odeiam como se eu fosse um traidor.
Como continuei a proclamar meus ensinos dessa forma, fui sucessivamente expulso de um lugar para outro, forçado a ficar mudando por todo o Japão, como um tronco à deriva no mar à mercê dos ventos, ou como uma minúscula pluma que flutua no ar e, então, paira, ora subindo, ora descendo. Algumas vezes, fui açoitado, preso, ferido, ou exilado para lugares longíquos. Outras vezes, meus discípulos foram mortos ou eu próprio fui banido. Então, em 12 de setembro de 1271, incorri a fúria do governo e fui subsequentemente exilado para a ilha província de Sado ao norte.
Embora eu nunca tenha violado as leis seculares, nem mesmo ao mínimo, as autoridades me acusaram, dizendo: “Esse sacerdote chegou ao ponto de declarar que os falecidos sacerdotes leigos Saimyoji e Gokurakuji caíram no inferno. Ele é pior do que um traídor”. Eles estavam para me decapitar num local chamado Tatsunokuti, em Kamakura, na província de Sagami, mas então, aparentemente reconsideraram, pensando: “É verdade o crime dele é deveras horrendo, mas ele é, no entanto, um devoto do Sutra de Lótus. Se o matarmos irrefletidamente, não se sabe que desastre poderá ocorrer. Por outro lado, se o deixarmos numa ilha remota, ele certamente perecerá de uma causa ou outra. Ele não é odiado somente pelo soberano, mas o povo todo o considera um inimigo de seu pais. Ele provavelmente será assassinado ou morrerá de fome a caminho de Sado ou após ter chegado àquela província”. Assim, ele decidiram livrar-se de mim desta maneira.
No entanto, possivelmente graças à proteção do Sutra de Lótus e das Dez Deusas, ou talvez pelo fato de o Céu ter percebido a minha inocência, embora muitos dos ilhéus me odiassem, houve um homem idoso chamado Nakoki no Jiro Nyudo (que agiu como amigo). A sabedoria dele era tão avançada quanto a sua idade, e ele desfrutava de uma saúde robusta e tinha a estima das pessoas locais. Provavelmente pelo fato desse homem venerável ter dito a respeito: “Esse sacerdote não pode ser uma pessoa comum”, os filhos dele não se ressentiam fortemente a mim. Como a maioria das pessoas estavam a serviço dos subordinados da família Nakaoki, eles também não fizeram nenhuma tentativa de me causar dano por conta de sua própria autoridade e obedeceram cuidadosamente as instruções do governo.
Mesmo que a água possa estar enlameada, ela se tornará clara novamente. Mesmo que a lua possa estar escondida atrás das nuvens, ela seguramente reaparecerá. De modo semelhante, cedo ou tarde, minha inocência ficará nítida, e minhas predições mostrarão não ter sido em vão. Talvez por causa disso, embora os membros da família Hojo e os influentes lordes tenham insistido que eu não fosse perdoado, fui, no final, desobrigado de minha sentença de exílio por decisão exclusiva do regente Hojo Tokimune e voltei a Kamakura.
Eu, Nitiren, sou o súdito mais leal do Japão. Não creio que jamais tenha havido, nem jamais haverá , alguém que possa igualar-se a mim neste aspecto. A razão pela qual digo isso é a seguinte. Quando o grande terremoto sucedeu durante a era Shoka (1257-1259) e o imenso cometa apareceu no primeiro ano de Bun’ei (1264), um grande número de homens sábios, tantos budistas como não-budistas, realizaram divinações, mas não conseguiram determinar as causas destes desastres, nem predizer o que estava para acontecer. Quanto a mim, Nitiren, isolei-me numa biblioteca de escrituras e, após ponderar os textos, concluí que, pelo fato de as pessoas reverenciarem os sacerdotes dos ensinos Mahayana provisório e Hinayana, tais como a Shingon, Zen, Nembutsu e Ritsu, e darem pouca importância ao Sutra de Lótus, Bonten e Taishaku repreenderiam-nas ordenando um país do oeste a atacar o Japão.
Submeti uma advertência escrita nesse sentido ao falecido sacerdote leigo Saimyoji. As pessoas de todas as religiões zombaram dela e rejeitaram-na, mas nove anos mais tarde, no quinto ano de Bun’ei (1268), chegou uma declaração oficial do grande Império Mongol anunciando sua intenção de atacar o Japão. Como a minha predição havia concretizado-se, os crentes Nembutsu, os mestres da Shingon, e outros ressentiram-se de mim e tramaram contra a minha vida.
Apresentando uma analogia, na China, entre as concubinas do imperador Hsuang-tsung, havia uma linda mulher conhecida como a Dama do Palácio Shang-yang. Ela era a beleza máxima do império. A consorte do imperador, Yang Kuei-fei, olhava para ela e pensava: “Se for permitido a ela servir próxima do imperador, com certeza ela roubará sua predileção por mim”. Assim ela forjou um édito imperial e mandou banir ou executar os pais e irmãos da dama. A própria dama foi presa e torturada por não menos que quarenta anos.
O meu próprio caso é semelhante a esse. “Se as advertências de Nitiren tornarem-se amplamente conhecidas, o governo terá de pedir a ele que ore pela derrota do grande Império Mongol. E, se o Japão de fato for vitorioso, ele se tornará o principal sacerdote nesse país. Nós, por outro lado, perderemos a nossa influência e prestígio”. Pensando assim, talvez, os sacerdotes das outras seitas levantaram falsas acusações contra mim. Inconsciente dos motivos deles, o regente acreditou em suas palavras e agora está para levar a nação à ruína.
De maneira análoga, o segundo imperador da dinastia Ch’in da China, instigado pela língua caluniosa de Chao Kao, mandou executar Li Ssu, e posteriormente ele próprio pereceu nas mãos de Chao Kao. E, o imperador Daigo do Japão, induzido pelas palavras caluniosas do ministro da esquerda, Fujiwara no Tokihira, baniu o ministro do direita. Depois disso, o imperador caiu no inferno.
O atual regente é exatamente como esses dois imperadores. Ele acredita nas palavras dos mestres Shingon, na seita Zen, nos sacerdotes Ritsu, aqueles que observam os preceitos, e nos sacerdotes Nembutsu, todos ele inimigos do Sutra de Lótus, e trata a mim, Nitiren, com animosidade. Embora, eu seja de origem humilde, abraço o Sutra de Lótus, que Sakyamuni, Taho, todos os Budas das dez direções, Bonten, Taishaku, os deuses do sol e da lua, os Quatro Reis Celestiais, as divindades dragões, Tensho Daijin, e o Bodhisattva Hatiman protegem e consideram precioso, assim como as pessoas valorizam e não desejam desfazer-se de seus olhos, como os deuses celestiais veneram Taishaku, ou como uma mãe ama seu filho. Portanto, todos esses budas e deuses punirão aqueles que perseguirem o devoto do Sutra de Lótus, ainda mais severamente do que alguém açoitaria um inimigo de seus pais ou do que o governo puniria rebeldes.
Agora, vocês dois são o filho e a nora do falecido Jiro Nyudo. Talvez seja porque vocês são o filho e a nora de um homem tão profundamente sábio, que, seguindo os passos dele, não somente acreditam no Sutra de Lótus, que o próprio soberano do país rejeita, mas também suprem as necessidades do devoto do Sutra de Lótus, trazendo-me, a cada ano, oferecimento e viajando mil ri para visitar-me. Além disso, no décimo-terceiro aniversário da morte de sua pequena filha, vocês erigiram um sotoba de quase cinco metros de altura com os sete caracteres do Nam-myoho-rengue-kyo, inscritos nele. Afirma-se que, quando o vento norte sopra, os peixes do mar do sul que são tocados por ele são libertados de seus sofrimentos; e quando o vento vem do leste, os pássaros e gansos nas montanhas do oeste que entram em contato com o mesmo escapam do caminho da Animalidade e nascem na corte interna do Céu Tushita. Quão maiores ainda serão os benefícios daqueles seres humanos que se alegram com esse sotoba, tocam-no com suas mãos, ou fitam-no com esses olhos ! Creio que, como resultado do benefício consequente de terem erigido esse sotoba, os seus falecidos pais devem estar iluminando a terra pura tão brilhantemente como o céu e a lua no céu. Ademais, vocês próprios, o filho querido deles e a sua esposa, bem com os filhos de vocês, viverão até completarem cento e vinte anos. E depois de morrerem, estarão com os seus pais na terra pura do Pico da Águia. Devem considerar isso tão certo quanto o fato de a lua refletir-se na água clara, ou de um tambor produzir som quando batido. Caso ergam quaisquer sotoba no futuro, assegurem-se que tenham o Daimoku do Sutra de Lótus inscrito neles também.

Escrito no Monte Minobu
Nitiren,
Em 30 de novembro de 1279.
À esposa de Nakaoki Nyudo.

Fundo de Cena

No dia 30 de novembro de 1279, um mês após ter inscrito o Dai-Gohonzon, Nitiren Daishonin escreveu esta carta a Nakaoki Nyudo e sua esposa, praticantes que viviam em Nakaoki, na Ilha de Sado. Embora o título deste Gosho seja Carta a Nakaoki Nyudo, o seu pós escrito menciona especificamente a esposa de Nakaoki. Aparentemente, Nitiren Daishonin escreveu-a para ambos quando Nakaoki veio visitá-lo no Monte Minobu.
O pai de Nakaoki Nyudo, Nakaoki Jiro Nyudo, já tinha falecido quando esta carta foi escrita. Ele, por muitos anos desfrutou a confiança das pessoas locais em Sado, mas apesar de sua posição na comunidade e sua própria fé de longa data na Nembutsu, ele aparentemente abraçou os ensinos de Nitiren Daishonin quando se encontraram durante o exílio de Daishonin. Mais tarde, Nakaoki Nyudo também se tornou seguidor de Nitiren Daishonin juntamente com a sua esposa. Após Nitiren Daishonin ter sido perdoado e ter ido morar em Minobu, Nakaoki Nyudo repetidamente realizou a viagem de Sado até lá para visitá-lo e levar-lhe oferecimentos.
No início desta carta, Nitiren Daishonin descreve que o budismo foi introduzido ela primeira vez no Japão, e como ensinos errôneos como os da Nembutsu e os da Shingon disseminaram-se por todo o país. Por apontar os erros das várias seitas, Nitiren Daishonin enfrentou repetidas perseguições, que culminaram na tentativa fracassada de decapitá-lo em Tatsunokuti e seu subsequente exílio à Ilha de Sado. Contudo, prossegue, somente ele esclarece a causa subjacente dos recentes desastres que atingiram a nação, recomendando às pessoas a abandonarem os ensinos errôneos e, no lugar disso, recitarem o Daimoku do Sutra de Lótus. Portanto, ele é o ‘súdito mais leal em todo o Japão’. Embora as pessoas possam desprezá-lo e as autoridades perseguirem-no, como ele abraça o Sutra de Lótus, que todos os Budas estimam, ele tem certeza de que será protegido pelos deuses budistas. Em conclusão, Nitiren Daishonin louva a fé dos Nakaoki em apoiar o devoto do Sutra de Lótus e assegura-os dos grandes benefícios nesta vida e na próxima.


As mais Belas Histórias Budistas - As Escrituras de Nitiren DaishoninEndereço: http://www.vertex.com.br/users/san/goshos e-mail: sandro@vertex.com.br

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