(Shijo Kingo Dono Gohenji, págs. 1183-1184)
Recebi um kan de moedas. Então, seu lorde concedeu-lhes novos feudos! Nem parece verdade; isso é tão surpreendente que fico pensando se não se trata de um sonho. Nem sei o que dizer.
Isso se deve ao fato de as pessoas de todo o Japão e também de Kamakura, mesmo as que estão a serviço de seu lorde, inclusive os descendentes do clã dele, desaprovarem a sua crença no ensino de Nitiren.
Sua fé contínua parecia incompreensível. O simples fato de ter tido permissão para permanecer no clã de seu lorde já foi motivo de espanto. Além disso, sempre que seu lorde lhe oferecia a concessão de uma nova propriedade, o senhor invariavelmente recusava-se a aceitá-la. Como deve ter parecido estranha aos seus colegas samurais essa sua recusa, como deve ter soado insultuosa ao seu lorde !
Sendo esse o caso, estava ansioso em saber como o senhor estaria passando superando essa época, e, além disso, soube que dezenas de seus colegas de clã fizeram calúnias a seu respeito para o seu lorde. Portanto, pensei que provavelmente não poderia obter um feudo; a gravidade de sua situação parecia opressiva. Além disso, até seus próprios irmãos o abandonaram. E, no entanto, apesar de tudo isso, foi-lhe concedido tal obséquio. Nenhuma honra poderia ser maior do que essa.
O senhor conta que seus novos domínios ocupam uma área três vezes maior do que Tono'oka. Há um homem da província de Sado que se encontra aqui (em Minobu) e que conhece totalmente essa área. Ele diz que, das três vilas, a chamada Ikada é de primeira categoria. Embora os campos e arrozais possam ser poucos, os lucros são imensos. Dois dos feudos rendem cada um, anualmente, um colheita equivalente a mil kan, e o terceiro, trezentos kan. Esses são os méritos, afirma ele, de suas propriedades.
De qualquer modo, o senhor foi abandonado pelos seus colegas samurais bem como pelas pessoas próximas, e eles riram a sua custa. Sob tais circunstâncias, uma carta oficial conferindo-lhe qualquer espécie de feudo, ainda que fosse inferior a Tono'oka, teria sido bem-vinda. Entretanto, conforme se verificou, seus novos domínios, combinados, são três vezes maiores (do que Tono'oka). Não obstante o quanto essas propriedades possam se mostrar pobres, não se deve queixar delas, nem aos outros, nem ao seu lorde. Se elogiá-las repetidamente dizendo que são terras excelentes, seu lorde poderá conceder-lhe ainda mais feudos. Porém, se referir-se a elas como terras pobres com uma produção escassa, certamente será abandonado tanto pelo Céu como pelos outros homens. Deve manter isto em mente.
O rei Ajatashatru foi um homem digno mas, por matar seu próprio pai, naquele exato momento, o céu deveria, por justiça, tê-lo abandonado, e a terra deveria ter-se aberto para engolí-lo. Contudo, por causa do mérito que seu pai, o rei assassinado, havia adquirido fazendo durante vários anos oferecimentos diários ao Buda, os quais compreendiam quinhentas cargas de carroças, e pelo mérito que ele próprio conquistaria mais tarde tornado-se protetor do Sutra de Lótus, o céu não o abandonou, nem a terra o engoliu. No final, em vez de cair no inferno, tornou-se um Buda.
O seu caso é semelhante ao dele. Foi abandonado pelos seus irmãos, hostilizado pelos seus colegas samurais, perseguido pelos descendentes do clã e odiado por todas as pessoas do Japão. Porém, no décimo-segundo dia do nono mês do oitavo ano de Bun'ei, entre as horas do Rato e do Boi (da meia-noite às 2 horas), quando eu, Nitiren, havia incorrido no desagrado das autoridades governamentais, o senhor acompanhou-me de Kamakura a Eti, na província de Sagami, segurando firmemente as rédeas do meu cavalo. Como o senhor provou ser o mais digno aliado do Sutra de Lótus em todo o mundo, Bonten e Taishaku sem dúvida não poderiam vir a abandoná-lo.
O mesmo se aplica com relação à consecução do estado de Buda. Não importando que graves ofensas possa ter cometido, por não ter ido contra o Sutra de Lótus e por ter mostrado sua devoção ao acompanhar-me, irá indubitavelmente tornar-se um Buda. O seu caso é como o do rei Utoku, que deu a própria vida para salvar o monge Kakutoku e tornou-se o Buda Sakyamuni. A fé no Sutra de Lótus atua como uma oração (para atingir o estado de Buda). Acima de tudo, fortaleça ainda mais seu espírito de procura pelo Caminho, de modo que possa alcançar o estado de Buda nesta existência.
Nunca aconteceu um fato mais oportuno a nenhum membro do clã de seu lorde, seja sacerdote ou leigo. Ao falar assim sobre o recebimento de novos feudos pode-se parecer demasiadamente interessado em desejos mundanos, mas para os mortais comuns os desejos são algo natural, e, além disso, existe um modo de tornar-se um Buda sem erradicá-los. O sutra Fuguen, numa passagem que explana o âmago do Sutra de Lótus, afirma: "Mesmo sem extinguir seus desejos mundanos ou negar os cinco desejos…". E o Makashikan do Grande Mestre Tientai diz: "Desejos mundanos são iluminação, os sofrimentos do nascimento e morte são nirvana". O Daitido Ron do Bodhisattva Nagarjuna, ao elucidar que o Sutra de Lótus ultrapassa todos os demais ensinos da existência do Buda, declara: "(O Sutra de Lótus é) como um grande médico que transforma o veneno em remédio". Isso significa que um médico de habilidade inferior pode curar males comuns com remédio, ao passo que um grande médico pode curar até mesmo doenças graves com veneno poderoso.
Nitiren,Em outubro de 1278.(END Vol. VI, pág. 253)
Fundo de Cena
Esta carta foi escrita no Monte Minobu para Shijo Kingo em outubro de 1278. Durante uma época, o lorde Ema, a quem Shijo Kingo servia, havia se oposto à crença de seu subordinado no Sutra de Lótus e atormentou-o de várias maneiras, por exemplo, ameaçando-o de transferência a uma província remota a menos que ele abandonasse a sua fé. Os colegas samurais de Kingo também o tratavam com hostilidade, e por algum tempo esteve a ponto de ser deposto do clã e de perder por completo seu sustento. Kingo suportou vários anos de adversidades até 1277, quando suas circunstâncias mudaram para melhor graças ao fato de, em sua posição de médico, ter conseguido curar o lorde Ema de uma doença grave. Por volta de janeiro de 1278 ele pôde acompanhar o lorde numa missão oficial. Em outubro, quando esta carta foi escrita, Kingo recebeu não menos que três novos feudos.
Contudo, pelo conteúdo deste Gosho, parece que ele não estava totalmente satisfeito com essa avassalação. Acredita-se que as propriedades que recebera localizavam-se na Ilha de Sado ou, de qualquer modo, numa região remota, o que pode ter-lhe causado descontentamento. Nesta carta, Nitiren Daishonin admoesta-o contra qualquer sentimento de queixa e recomenda-lhe que aprecie o fato de as circunstâncias estarem, agora, começando a ficar a seu favor.
As mais Belas Histórias Budistas - As Escrituras de Nitiren DaishoninEndereço: http://www.vertex.com.br/users/san/goshos e-mail: sandro@vertex.com.br
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