(Seitioji Taishu-tyu – págs. 893 a 895)
Congratulemo-nos mutuamente com a chegada do Ano Novo. Como o senhor não me visitou no ano passado, temi que algo desfavorável lhe tivesse acontecido. Caso o senhor tenha uma oportunidade de visitar-me, poderia trazer-me emprestado do bonzo Isseko o Jujushin-ron, o Hizo Hoyaku, o Nikyo-ron e outros comentários da seita Shingon? Eu preciso dos mesmos para refutar bonzos da Shingon que vieram durante certo tempo levantando clamores contra mim. Traga também o primeiro e o segundo volumes do Makashikan. Gostaria também que trouxesse o Toshun e o Fusho Ki se estiverem disponíveis. Peça emprestado o Shuyo Shu que está com Kanti-bo, o discípulo de Enti-bo. Além disso, ouvi dizer que ele possui ainda outros escritos importantes. Por favor, peça-os emprestado e diga-lhe que eu lhe devolverei o mais breve possível. Neste ano, ficará definitivamente resolvida a questão sobre quais ensinos budistas são corretos ou incorretos.
Diga a Joken-bo, Guijo-bo e outros bonzos, em meu nome: "Freqüentemente Nitiren esteve a ponto de ser executado. Por duas vezes foi exilado e uma vez quase decapitado. Isso não foi devido a quaisquer erros mundanos de sua parte. Como criança, ele recebeu a suprema sabedoria do Bodhisattva Kokuzo vivo. Ele vinha orando devotadamente ao bodhisattva para tornar-se a pessoa mais sábia do Japão. O bodhisattva deve ter tido pena dele, pois presenteou-o com uma grande pedra preciosa brilhante como a estrela d’alva, que Nitiren guardou em sua manga direita. Posteriormente, lendo atentamente todo o corpo de sutras, ele conseguiu discernir a superioridade ou a inferioridade essenciais das oito seitas, assim como de todas as escrituras".
A seita Shingon – especialmente merecedora de culpa, porque ela viola o Sutra de Lótus. Entretanto, eu ataquei primeiramente os erros das seitas Zen e Nembutsu. Tenho boas razões para a minha acusação. Reservarei a discussão sobre o certo e o errado das seitas budistas da Índia e da China para uma outra ocasião mas, no Japão, todos abandonaram o ensino correto do Sutra de Lótus e assim, sem exceção, ficaram destinados a caírem nos maus caminhos. Assim é porque, em cada templo e em todos eles, a seita Shingon invariavelmente acompanha a seita Hokke de maneira exata como a sombra acompanha o corpo. Assim, a prática correta do Sutra de Lótus é adulterada pela prática da Shingon, dos dezoito caminhos, e a sua realização da penitência aviltada por aquela baseada no sutra Amida. Por conferir títulos aos estudiosos da seita Tendai, o procedimento da Shingon predomina, enquanto que o do Sutra de Lótus fica relegado a uma posição secundária.
Na realidade, os sutras da Shingon pertencem aos ensinos provisórios e são inferiores até mesmo aos sutras Kegon e Hannya. Entretanto, confusos nesse ponto, Jikaku e Kobo sustentam que os sutras Shingon são iguais ou mesmo superiores ao Sutra de Lótus. A cerimônia de animação de imagem recém construída do Buda é portanto conduzida com a oração do mudra e mandra do olho do Buda, estabelecida no Sutra Dainiti. Por essa razão, todas as imagens de madeira e pinturas do Buda no Japão ficaram sem alma e sem visão e, como resultado, foram possuídas pelo Demônio do Sexto Céu e seu bando, levando ruína aos seus próprios adoradores. Eis por que a corte imperial está prestes a perecer. Agora, os maus ensinos da Shingon estão surgindo em Kamakura, e ameaçam destruir todo o Japão. A Shingon não é a única seita herética. As seitas Zen e Jodo também sustentam idéias tão pervertidas a ponto de fugirem à descrição. Eu sabia que, se afirmasse isso, eu iria certamente perder minha vida. Todavia, eu estava determinado a retribuir o favor ao Bodhisattva Kokuzo. Com isso em mente, no vigésimo oitavo dia do quarto mês do quinto ano de Kentyo (1253), eu apontei os erros das várias seitas pela primeira vez a uma pequena audiência que incluía Joen-bo do lado sul do alojamento de Dozen-bo no templo Seitioji, localizado no vilarejo Tojo, na província de Awa. Por mais de vinte anos deste então, eu persisti em minha declaração sem afastar um passo. Por essa razão, fui algumas vezes expulso de minha residência e exilado em outras ocasiões. Em tempos remotos, o Bodhisattva Fukyo foi batido com bastões. Agora, Nitiren é perseguido a espada.
Todo o povo do Japão, tanto os sábios como os tolos, desde o soberano ao mais inferior homem comum, afirma que o bonzo Nitiren não é páreo para o estudiosos, mestres, grandes mestres e velhos sábios. Nitiren aguardou a oportunidade para dispersar suas descrenças. A época finalmente chegou quando tremendos terremotos ocorreram na era Shoka (1257), seguidos pelo aparecimento de um grande cometa na era Bun-ei (1264). Observando esses fenômenos, ele profetizou: "Nosso país sofrerá dois terríveis desastres: luta interna e invasão estrangeira. O primeiro ocorrerá em Kamakura, sob forma de disputas aniquiladoras entres os descendentes de Hojo Yoshitoki. O último pode vir de qualquer direção, mas aquele do oeste será o mais violento. O último ocorrerá por razões que não são outras senão pelo fato de todas as seitas budistas no Japão serem heréticas, pois, devido a essa heresia, Bonten e Taishaku ordenarão outros países a atacarem o nosso. Enquanto nosso país continuar não ouvindo aquilo que Nitiren diz, será certamente derrotado, não importando se existem cem, mil, ou mesmo dez mil generais valentes como Massakado, Sumitomo, Sakado, Toshihito ou Tamura. Somente quando suas palavras se mostrarem falsas, o povo deveria aceitar a fé nas idéias distorcidas das seitas Shingon, Nembutsu, e outras". Essa foi a profecia que ele fez divulgar amplamente.
Eu advirto especialmente os bonzos do monte Kiyossumi. Se eles considerarem Nitiren com menos respeito que seus próprios pais ou os Três Tesouros, eles se tornarão desprezíveis mendigos nesta vida e cairão no inferno dos incessantes sofrimentos na próxima. Eu explicarei a razão. Certa vez, o vil Tojo Saemon Kaguenobu caçou o gamo e outros animais mantidos pelo templo Teitioji e tentou subjulgar os bonzos de cada templo de alojamento, para os crentes da Nembutsu. Naquela ocasião, Nitiren se opôs a Tojo em favor do lorde do feudo. Ele compôs um ardente juramento: "Caso os templos de Kyossumi e Futama caíam nas mãos de Tojo, Nitiren abandonará o Sutra de Lótus". E então atou-o à mão do seu objeto de adoração, para o qual orava continuamente. Dentro de um ano, ambos os templos ficaram livres de Tojo. Certamente o Bodhisattva Kokuzo jamais se esquecerá disso, portanto, como poderão os bonzos que desprezaram Nitiren deixar de serem abandonados pelos céus ? Ouvindo-me dizer isso, os mais tolos dos senhores poderão pensar que estou lhes invocando uma maldição. Entretanto, não é assim. Eu estou advertindo-os simplesmente porque sinto pena dos senhores ao imaginá-lo caindo no inferno dos incessantes sofrimentos após suas mortes.
Permita-me dizer algumas palavras sobre a monja da família do lorde do feudo. Sendo mulher, e também tola, ela deve ter se voltado contra mim quando foi ameaçada pelos outros. Tenho pena dela porque, tendo esquecido seu débito de gratidão, irá cair nos maus caminhos na próxima existência. Apesar disso, entretanto, ela fez grandes favores aos meus pais, por isso estou orando para poder salvá-la desse destino por quaisquer meios possíveis.
O Sutra de Lótus não é uma escritura extraordinária. Ele simplesmente revela que o Buda Sakyamuni atingiu a iluminação numa época ainda mais distante que o Gohyaku-Jintengo. Ele também prediz que Sariputra e outros discípulos se tornarão Budas no futuro. Os que não acreditarem naquelas palavras cairão no inferno dos incessantes sofrimentos. Não somente Sakyamuni declarou tudo isso, como também o Buda Taho atestou a sua verdade, e os Budas das dez direções estenderam suas línguas como meio de confirmação. Além disso, o Sutra de Lótus afirma que o devoto deste sutra receberá a proteção dos Bodhisattvas da Terra, Bodhisattvas Monju e Kannon, Bonten, Taishaku, os deuses do sol e da lua, os Quatro Reis Celestes, e as Dez Deusas. Portanto, não há outra maneira de atingir o Estado de buda senão praticando o Sutra de Lótus, pois é a única escritura que vê corretamente todas as coisas passadas e infalivelmente prevê o que acontecerá no futuro.
Nitiren nunca viu a província de Tsukushi e nem sabe nada sobre o império mongol. Entretanto, como sua predição resulta do seu entendimento dos sutras, ela já se concretizou. Então, quando ele afirma que todos os senhores cairão no inferno dos incessantes sofrimentos pela ingratidão, como poderiam as suas palavras serem falsas ? Os senhores poderão estar por ora em segurança, mas esperem e vejam o que ocorrerá depois. Todo o Japão será reduzido ao mesmo estado miserável em que se encontram as ilhas de Iki e Tsushima. Quando um grande número de hordas mongólicas chegarem à província de Awa, os senhores, bonzos que aderem a seitas heréticas, irão recuar aterrorizados e finalmente cairão no inferno dos incessantes sofrimentos, dizendo: "Agora sei que o bonzo Nitiren estava certo. Quão pesaroso ! Quão vergonhoso !
Nitiren
Em 11 de janeiro de 1276.
Aos bonzos do templo Seitioji, na província de Awa.
Esta carta será lida em voz alta pelos bonzos Sado e Suke Ajari diante da estátua do Bodhisattva Kokuzo para que todos os bonzos do Seitioji o ouçam.
Fundo de Cena
Conforme diz o título, esta carta foi endereçada aos bonzos do templo Seitioji em 11 de janeiro de 1276, por Nitiren Daishonin, que vivia então no monte Minobu. O templo Seitioji , localizado na província de Awa, foi o templo onde Nitiren Daishonin iniciou seu estudo no Budismo e declarou finalmente a fundação do seu novo Budismo.
A carta afirma que Nitiren Daishonin orou à estátua do Bodhisattva Kokuzo do templo para tornar-se o homem mais sábio do Japão. Assim, ele obteve a grande sabedoria que lhe possibilitou compreender corretamente todas as escrituras budistas. A seguir, a carta refere-se à influência particularmente má da seita Shingon, que executava rituais esotéricos e afirmava a supremacia dos seus ensinos sobre o Sutra de Lótus. Para retribuir o favor do Bodhisattva Kokuzo, Daishonin lutou para refutar os ensinos distorcidos das outras seitas. Ele aponta que, apesar de ter sido perseguido pelas suas afirmações, sua predição da luta interna e invasão estrangeira tornou-se verdade. No final, a carta afirma a supremacia do Sutra de Lótus e adverte os bonzos do templo Seitioji a prestarem atenção aos ensinos de Daishonin.
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