(Shijo Kingo Dono Gosho – págs. 1111 a 1112)
Recebi um to de arroz polido branco como a neve , um recipiente de bambu de óleo denso como saquê envelhecido e um oferecimento monetário de um kan, que o senhor preocupou-se em enviar-me pelo mensageiro como uma doação pela cerimônia de Urabon. Fiquei profundamente comovido pelo conteúdo de sua carta.
A cerimônia de Urabon tem sua origem na época em que o Venerável Maudgalyalyana salvou sua mãe, Shodai-nyo, que devido à punição cármica pela sua ganância e mesquinhez, havia caído no mundo da Fome por um período de quinhentas existências. Contudo, ele não conseguia habilitá-la a tornar-se Buda. Isto porque ele próprio ainda não era devoto do Sutra de Lótus e, deste modo, não podia ajudar sua mãe a atingir o Estado de Buda. Posteriormente, na assembléia de oito anos no Pico da Águia, ele tornou-se um Buda chamado Tamalapattra, Fragrância de Sândalo, através de abraçar o Sutra de Lótus e recitar Nam-myoho-rengue-kyo. Naquela ocasião, sua mãe tornou-se Buda também.
O senhor também perguntou-me a respeito de oferecer alimento aos espíritos famintos. O terceiro volume do Sutra de Lótus diz: “É como se alguém viesse de uma terra esfomeada e, subitamente, encontrasse um banquete de um grande rei”. Esta passagem indica que os quatro grandes homens da Erudição, pessoas de capacidade intermediária, jamais haviam ouvido falar da mais fina iguaria chamada ghee até o Sutra de Lótus ter sido exposto. Então, pela primeira vez eles saborearam ghee para alegria de seus corações, findando rapidamente. Deste modo, a fome insaciada de muito tempo em seus corações. Portanto, quando fizer oferecimentos de alimentos aos espírito famintos, deve recitar a passagem acima do sutra e orar Nam-myoho-rengue-kyo pelo repouso destes.
Os espíritos famintos são geralmente divididos em trinta e seis tipos. Um deles, os espírito famintos com formato de caldeirão, não possuem olhos nem boca. A razão disto é que, enquanto encontravam-se neste mundo, eles atacaram as pessoas, encobertos pela noite, ou cometeram roubos. Os espíritos famintos comedores de vômito alimentam-se da comida que as pessoas expelem. A causa do estado deles é a mesma dos espíritos famintos com forma de caldeirão. E é também por terem roubado o alimento das pessoas. Os espíritos famintos possuidores de propriedades são ávidos o bastante pra tentarem extrair água até mesmo dos cascos dos cavalos. Enquanto vivos, eles tinham ciúmes de suas propriedades e ocultavam seu alimento. Os espíritos famintos não possuidores de propriedades referem-se àqueles que nunca ouviram falar de alimento ou bebida desde o seu nascimento.
Os espíritos famintos devoradores da Lei renunciam ao mundo para propagar o Budismo somente porque pensam que, se pregarem a Lei, as pessoas os respeitarão. Buscando a fama e fortuna mundanas, gastam toda sua presente existência tentando superar os outros em tudo. Ele não ajudam as pessoas nem tentam salvá-las, nem mesmo os seus próprios pais. Tais indivíduos são denominados espíritos famintos devoradores da Lei, ou aqueles que usam a Lei para satisfazerem seus desejos.
Quando observamos os sacerdotes de nosso tempo, alguns deles secretamente recebem oferecimentos somente para si. O Sutra Nirvana denomina tais homens de sacerdotes com coração de cão. Em sua próxima existência eles se tornarão demônios com cabeça de boi. Outros recebem oferecimentos abertamente, mas, por serem mesquinhos, não os dividem com os outros. Em sua próxima existência, eles nascerão como demônios com cabeça de cavalo.
Alguns praticantes leigos não oram pelo repouso de seus pais, que caíram no mundo do Inferno, Fome ou Animalidade e que estão sofrendo agonias excruciantes. Eles próprios vestem-se e alimentam-se luxuosamente, possuindo em abundância bois, cavalos e servos e divertem-se à vontade.
Como os seus pais devem invejá-los e ressentir-se por eles ! Mesmo os sacerdotes, com a excessão de pouquíssimos, negligenciam a oração pelo descanso de seus pais e mestres nos aniversários da morte deles. Com certeza, os deuses do sol e da lua no céu e as divindades na terra devem estar furiosos e indignados com eles, condenando-os como maus filhos. Embora tais ingratos possuam forma humana, não são melhores do que os animais. Eles deviam ser chamados bestas com cabeça humana.
Eu, Nitiren, estou convencido de que, através de erradicar os impedimentos cármicos de espécie descrita acima, estarei apto a dirigir-me à terra pura do Pico da Águia no futuro. Portanto, embora várias perseguições graves possam cair sobre mim como chuva ou elevar-se como nuvens, por encontrá-las em prol do Sutra de Lótus, meus sofrimentos não se parecem em nada com sofrimentos.
Aqueles que se tornaram discípulos e seguidores desta pessoa, Nitiren, são devotos do Sutra de Lótus. Especialmente a finada Myoho, cujo aniversário de falecimento incide no décimo-segundo dia do mês, não era senão uma devota do Sutra de Lótus e uma seguidora de Nitiren.
Como poderia ela possivelmente ter caído no mundo da Fome ? Sem dúvida alguma ela encontra-se agora na presença de Sakyamuni, Taho e de todos os Budas das dez direções. Eles próprios devem estar dizendo: “Então esta é a mãe de Shijo Kingo!”, e com assentimento unânime, acariciam-lhe a cabeça e elogiam-na veementemente. De parte dela, deve estar contando ao Buda Sakyamuni que esplêndido filho ela tem.
O Sutra de Lótus diz: “Se houver homens ou mulheres de devota fé, que, ouvindo o capítulo Devadatta do Sutra de Lótus, com o coração puro acreditam e reverenciam-no, não nutrindo nenhuma dúvida ou incertezas, eles não cairão no mundo do Inferno, Fome ou Animalidade, e renascerão na presença de todos os Budas ds dez direções. Eles escutarão constantemente este sutra, onde quer que possam nascer. Se renasceram no mundo da Tranquilidade ou Alegria, desfrutarão de felicidade suprema. Se estiverem na presença do Buda, irão renascer pela transformação de um flor de lótus. Observe a frase “mulheres de devota fé”. Se isto não se refere à falecida Myoho, então, a quem se referiria ? O sutra também afirma: “É difícil sustentar a fé neste sutra. Aquele que o abraça mesmo por um curto período alegrará a mim (Sakyamuni) e a todos os outros Budas. Uma pessoa como esta será louvada por todos os Budas”. Não obstante o quanto eu, Nitiren, possa exaltar a sua mãe, não será o bastante. Porém, o sutra declara que ela será ‘elogiada por todos os Budas’. Quão reconfortante ! Com esta convicção, deve aprofundar a sua fé ainda mais. Nam-myoho-rengue-kyo, nam-myoho-rengue-kyo.
Com meu profundo respeito,
Nitiren
Décimo-segundo dia do sétimo mês
Fundo de Cena
A escritura “A Origem de Urabon” foi escrita a Shijo Kingo em julho de 1271. Shijo Kingo havia enviado vários oferecimentos a Nitiren Daishonin como uma doação por um serviço memorial a ser realizado para sua mãe, que havia falecido há alguns anos no dia 12 de julho. Em resposta, Daishonin escreveu esta carta a Shijo Kingo, na qual ele ensina que somente o ato de recitar Nam-myoho-rengue-kyo beneficia fundamentalmente os falecidos.
A primeira parte, de onde deriva-se o nome desta escritura, discute a origem da cerimônia de Urabon. Daishonin afirma que esta iniciou com o discípulo de Sakyamuni, Maudgalyayana, que salvou a sua falecida mãe dos sofrimentos do mundo da Fome. Esta tradição era amplamente aceita na época de Daishonin. Entretanto, ele interpreta-a na perspectiva do Sutra de Lótus e do Daimoku de Nam-myoho-rengue-kyo, que é a essência do sutra. Ele salienta que, apesar de Maudgalyayana ter sido capaz de aliviar o sofrimento de sua mãe, não conseguiu conduzí-la a atingir o estado de Buda até que ele ouvisse o Sutra de Lótus no Pico da Águia, abraçasse-o e recitasse o Nam-myoho-rengue-kyo, atingindo, assim, a iluminação. Nessa ocasião, sua falecida mãe pode atingir o estado de Buda também
De acordo com a crença popular, os espíritos daqueles que haviam sido avaros ou egoístas enquanto vivos sofriam de fome. Nitiren Daishonin, subsequentemente, discorre sobre vários tipos de espíritos famintos descritos nos textos budistas e esclarece as causas passadas, ou maus atos que eles cometeram nas existências anteriores, que os levaram a nascer desta forma. Nessa parte, ele também expõe os verdadeiros motivos de muitos sacerdotes de sua época, referindo-se a eles como ‘espíritos famintos devoradores da Lei’, que usam os ensinos budistas como um meio para obter fama e riqueza pessoal.
Embora finjam ter um sincero desejo de propagar os ensinos budistas, em seus corações são gananciosos e escondem os oferecimentos recebidos dos outros, guardando-os para si. Nitiren Daishonin também censura aqueles budistas, sejam do clero ou leigos, que negigenciam a realização dos serviços memoriais pelo repouso de seus falecidos pais ou mestres.
Finalmente, Nitiren Daishonin encoraja Shijo Kingo dizendo que, uma vez que a finada mãe de Kingo havia sido uma devota praticante, ela não poderia estar sofrendo no mundo da Fome. Mais provavelmente, os Budas deveriam estar louvando-a calorosamente no Pico da Águia por causa da devoção de seu filho ao Sutra de Lótus. Deste modo, ele incentiva Kingo a aprofundar ainda mais a sua fé.
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