(Ni Ama Gozen Gohenji – págs. 904 a907)
Recebi um saco de algas marinhas secas enviadas pela senhora. Gostaria também de expressar meus agradecimentos pelo oferecimento de algas marinhas secas de O-ama Gozen.
Este local é chamado de pico de Minobu. A província de Suruga fica ao sul, e são de cem léguas desde o litoral de Ukishima-ga-hara, naquela província, até este pico na vila Hakiri, na província de Kai. O caminho é dez vezes mais difícil do que numa estrada comum. O rio Fuji, o mais rápido de todo o Japão, corre do norte ao sul. Altas montanhas levantam-se a leste e a oeste deste rio, formando profundos vales, onde rochas imensas erguem-se em todos os lugares como elevados biombos. As águas do rio correm atravé do vale tão velozmente quanto uma flecha atirada através de um tubo por um forte arqueiro. O senhor precisa viajar ao longo das margens dos rios ou cruzar a corrente. O rio é tão veloz e cheio de pedras que um barco é frequentemente esmagado nas corredeiras. Através dessa perigosa trilha, chega-se então a uma grande montanha chamada pico de Minobu.
Ao leste encontra-s o pico de Tenshi; ao sul, Takatori; a oeste, Shitimen, e ao norte, Minobu, e erguem-se tão altamente como se fossem quatro imensos biombos colocados de pé. Subindo por esses picos, vê-se abaixo uma vasta fileira de florestas, enquanto que, descendo aos vales, encontram-se imensas rochas colocadas lado a lado. O uivo dos lobos enche as montanhas, o guincho dos macacos ecoa pelos vales, os veados chamam melancolicamente as corças, e o barulho das cigarras soa estridentemente. Aqui, as flores da primavera florescem no verão, enquanto que as árvores dão frutos de outono no inverno. Ocasionalmente vê-se um lenhador juntando lenha e meus raros visitantes são antigos amigos. O monte Shang, na China, onde os Quatro Reclusos de Cabelos Brancos retiraram-se do mundo, e os profundos recessos das montanhas onde as Sete Sumidades da Floresta de Bambus se retiraram devem ter sido lugares como este.
Subindo pelo pico, dá-se a impressão de que algas crescem ali, mas encontra-se somente um matagal extenso de samambaias. Descendo aos vales, certamente o senhor pensaria que outras algas marinhas estivessem ali crescendo, mas não há nada mais que uma densa mata de salsa.
Embora desde há tempo não tenha mais pensado sobre minha terra natal, as algas me trazem lembranças triviais, deixando-me triste. É a mesma espécie de alga que via há muito tempo atrás na praia, em Katsumi, Itikawa e Kominato. Sinto um ressentimento injustificado porque a cor, forma e o gosto dessa alga permanecem imutáveis, enquanto que meus pais faleceram, e não posso conter as lágrimas.
Basta. A senhora pediu-me para inscrever o Gohonzon para O-ama Gozen, mas encontro problemas em seu pedido.
A razão é como segue. Este Gohonzon jamais foi inscrito por qualquer dos muitos estudiosos budistas que viajaram da Índia à China ou pelos bonzos que viajaram da China à Índia. Todos os objetos de adoração já consagrados nos templos em toda a Índia estão descritos sem exceção no Registro das Regiões Ocidentais, A Vida de Hsuan-chang, e Registro da Transmissão da Luz ( e este Gohonzon não está incluído entre eles). Nem pode ser encontrado entres os objetos de adoração dos vários templos, inscritos pelos sábios que viajaram da China ao Japão ou pelas sumidades que foram do Japão à China. Como todos os registros dos primeiros templos no Japão como o Gangoji e Shitennoji, assim como dos outros templos são mantido sem omissão em muitas histórias, começando com as Crônicas do Japão, os objetos de adoração desses templos são bem conhecidos, mas este Gohonzon jamais foi incluído entre eles.
As pessoas podem dizer, sem dúvida: "Provavelmente não foi exposto nos sutras ou tratados. Eis porque as muitas sumidades não os pintaram e nem fizeram imagens dele". Eu digo que, como existem os sutras, aqueles que assim duvidam devem examinar se está ou não revelado nos sutras. É incorreto acusar este objeto de adoração meramente por não ter sido nunca pintado ou esculpido em épocas anteriores.
Como exemplo, o Buda Sakyamuni certa vez subiu ao céu Tushita para cumprir obrigações para com sua mãe. Mas ninguém, em todo o mundo, com exceção do honorável Maudgalyayana, estava ciente disso, devido aos poderes sobrenaturais do Buda. Assim, mesmo que o Budismo exista, as pessoas não o perceberão se lhes faltar a capacidade adequada, e nem ele se propagará se a época não for adequada. Isso está de acordo com a lei natural, assim como ocorre o fluxo e o refluxo da maré no oceano e a lua no céu diminui e cresce com o tempo.
O lorde Sakyamuni acalentou este Gohonzon em sua mente desde o remoto passado de Gohyaku-Jintengo mas, mesmo depois de aparecer neste mundo, ele não o expôs durante mais de quarenta anos após sua iluminação. Mesmo no Sutra de Lótus, ele não fez alusão ao mesmo nos capítulos prévios. Somente no capítulo Hoto (décimo-primeiro), ele começou a indicá-lo. Ele o revelou no capítulo Juryo e concluiu a sua explanação nos capítulo Jinriki e Zokurui.
Bodhisattvas como Monju, do Mundo Dourado; Miroku, do Céu Tushita; Kannon, do Monte Potalaka, e Yakuo que assiste o Buda Nitigatsu-jomyo-toku disputaram entre si para solicitar (ao Buda que os permitisse propagar a fé no Gohonzon nos Últimos Dias da Lei), mas o Buda recusou. Aqueles bodhisattvas eram renomados como homens de excelente sabedoria e profundo conhecimento, mas como haviam começado há pouco tempo a ouvir o Sutra de Lótus, seus conhecimentos eram ainda limitados. Assim, não seriam capazes de suportar as grandes dificuldades dos Últimos Dias.
Então, o Buda declarou: "Existem os meus verdadeiros discípulos, que ocultei no fundo da terra desde o remoto passado de Gohyaku-Jintengo. Eu o confiarei a eles". Assim dizendo, o Buda convocou aqueles bodhisattvas liderados por Jogyo, no capítulo Yujutsu, e confiou-lhes os cinco caracteres do Myoho-rengue-kyo, o coração do ensino essencial do sutra.
Então, o Buda afirmou: "Os senhores não deverão propagá-lo no primeiro milênio dos Primeiros Dias da Lei ou no Segundo Milênio dos Médios Dias após meu falecimento. No começo dos Últimos Dias da Lei, monges caluniadores povoarão o mundo todo, e assim, os deuses celestes ficarão irados e cometas aparecerão no céu e a terra tremerá como o movimento das enormes ondas. Inumeráveis desastres e calamidades como seca, incêndios, enchentes, furacões, epidemias, fome e guerra. Serão tomados seus arcos e bastões e, como nenhum dos Budas, bodhisattvas ou divindades benevolentes poderá ajudá-los, eles todos morrerão e cairão como chuva no inferno dos incessantes sofrimentos. Nesse exato momento, reis poderão salvar seus países e o povo escapará das calamidades se abraçarem e crerem neste grande mandala dos cinco caracteres (do Myoho-rengue-kyo). No futuro, suas vidas não cairão nos grandes fogos do inferno dos incessantes sofrimentos".
Agora, eu, Nitiren, não sou o Bodhisattva Jogyo, mas, talvez por seu desígnio, atingi o conhecimento geral desse ensino, e vim ensinando-o por estes vinte e poucos anos. Quando uma pessoa decide propagá-lo, encontrará dificuldades, conforme afirma o sutra: "Como o ódio e a inveja proliferam mesmo durante a existência do Buda, quão pior será no mundo após seu falecimento?", e "O povo estará repleto de hostilidade e será extremamente difícil de acreditar". Dos três tipos de poderosos inimigos preditos no sutra, o primeiro indica o governante do estado, administradores de condados e vilas, e lorde de feudos, assim como o povo comum. Acreditando nas acusações dirigidas pelo segundo e terceiro tipos de inimigos, que são sacerdotes, eles irão difamar, caluniar ou atacar o devoto do Sutra de Lótus com espadas e bastões.
A vila Tojo, na província de Awa, embora localizada em local remoto, bem poderia ser denominada centro do Japão, porque a Deusa do Sol reside ali. Nos tempos antigos, ela viveu na província de Isse. Mais tarde, o imperador passou a ter profunda fé no Bodhisattva Hatiman e no Relicário Kamo, negligenciando a Deusa do Sol, deixando-a irada. Naquele tempo, Minamoto no Yoritomo escreveu um compromisso e ordenou a Aoka no Kodayu que a consagrasse no Relicário Externo de Isse. Talvez por ter assim satisfeito o desejo de deusa, Yoritomo tornou-se shogun e governou todo o Japão. Ele decidiu então que o Condado de Tojo se tornasse a residência da Deusa do Sol, e assim ela deixou de residir na província de Isse, mudando-se para a província de Awa. É como o Bodhisattva Hatiman que, nos tempos antigos, residiu em Dazaifu, na província de Tikuzen, mas que depois residiu em Otokoyama, na província de Yamashiro, e que agora está em Tsurugaoka, em Kamakura, na província de Sagami.
Nitiren começou a propagar o verdadeiro ensino no condado Tojo, na província de Awa, no Japão, dentre todos os locais do mundo inteiro. Assim, o administrador do condado tornou-se meu inimigo, mas agora está quase arruinado.
O-ama Gozen é insincera e tola. Ela foi ainda indecisa, ora acreditando, ora renunciando à sua fé. Quando Nitiren incorreu no desagrado do governo, ela rapidamente rejeitou o Sutra de Lótus. Eis porque, mesmo antes, eu lhe disse: "O Sutra de Lótus é extremamente difícil de compreender e extremamente difícil de acreditar, sempre que nos encontrávamos.
Se eu lhe conceder o Gohonzon por estar em débito com ela, as Dez Deusas certamente julgarão que sou um bonzo bastante parcial. Se eu seguir o sutra e não lhe conceder o Gohonzon devido à sua falta de fé, não serei parcial, mas ela poderá alimentar ódio contra mim, porque não compreende o seu erro. Eu expliquei os motivos da minha recusa detalhadamente numa carta a Suke no Ajari. Por favor, mande buscar a carta e mostre a ela.
A senhora é do mesmo clã que O-ama Gozen, mas sua fé é mais profunda. Como a senhora enviou-me doações com frequência, tanto em Sado como aqui em Minobu, e como seu sincero espírito de fé parece não diminuir, eu lhe concederei o Gohonzon. Mas ainda me preocupo se a senhora conservará sua fé até o fim, e sinto-me como se estivesse caminhando sobre gelo fino ou encarando uma espada desembainhada. Eu lhe escreverei novamente com mais detalhes.
Quando incorri no desagrado do governo, mesmo em Kamakura, novecentos e noventa e nove dentre mil abandonaram a fé, mas como o conceito popular contra mim está agora amenizado, alguns deles parecem estar arrependidos. Eu não incluo O-ama Gozen entre aquelas pessoas, e sinto profundamente por ela, mas não posso mais contratar o Sutra de Lótus na medida em que a carne substitui os ossos. Por favor, explique-lhe completamente porque não posso atender ao seu pedido.
Em 16 de fevereiro de 1275
Nitiren
Fundo de Cena
Nitiren Daishonin escreveu esta carta em 16 de fevereiro de 1275, no ano imediato após retornar de Sado e retirar-se no monte Minobu. Ele havia acabado de completar os cinquenta e quatro anos de idade. Esta carta foi uma resposta a um pedido de Ni-ama Gozen e de sua sogra O-ama Gozen, pedindo que lhes inscrevesse o Gohonzon.
O-ama Gozen havia sido a esposa do lorde Nagoe, detentor das terras que incluíam o condado de Tojo, onde nasceu Nitiren Daishonin (Tojo era inicialmente o nome de uma vila, mas depois tornou-se um condado. Eis porque, neste Gosho, Nitiren Daishonin refere-se ao mesmo tanto como uma vila ou um condado). Tanto Ni-ama Gozen como O-ama Gozen eram viúvas e viviam juntas em Tojo. A família de Daishonin estava aparentemente em dívida com O-ama Gozen por algum favor que ela lhe havia estendido. Certa vez, quando Tojo Kaguenobu, o administrador da mesma área, pressionou o lorde numa tentativa de trazer o templo Seitioji sob seu controle, Daishonin lutou em nome do lorde a fim de retribuir a gratidão e desafiou a tentativa de Kaguenobu. A inimizade que o administrador alimentou contra Daishonin naquela ocasião é considerada como uma das razões da Perseguição de Komatsubara, em 1264, quando Tojo Kaguenobu emboscou Daishonin e alguns de seus crentes.
O-ama Gozen havia começado a praticar o Budismo de Nitiren Daishonin. Entretanto, conforme indica a carta, ela não foi persistente e abandonou sua fé quando Nitiren Daishonin foi preso e exilado à ilha de Sado em 1271. Entretanto, quando ele foi perdoado e retirou-se ao monte Minobu três anos depois, ela arrependeu-se do seu ato e voltou à fé, pedindo-lhe que inscrevesse um Gohonzon. Embora ele tivesse aparentemente ficado em dúvida à sua gratidão pessoal a ela, Daishonin recusou o pedido com base na visão rigorosa do Budismo, concedendo o Gohonzon somente a Ni-ama Gozen.
Este escrito contém duas partes principais. Na primeira parte, Nitiren Daishonin agradece a Ni-ama Gozen pelo oferecimento de algas secas de sua terra natal. Ele descreve a isolação de sua vida no monte Minobu e a nostalgia evocada pelo gosto das algas secas enviadas da sua terra natal.
A segunda parte é a sua resposta à solicitação, de Ni-ama Gozen e O-ama Gozen, do Gohonzon. Primeiramente, ele explica o porquê do Gohonzon ser tão precioso e digno de respeito, tanto em termos da história do Budismo como dos ensinos do Sutra de Lótus. Ele ainda demonstra que precisou enfrentar perseguições para introduzir a verdadeira fé ao povo, empreendendo a tarefa do Bodhisattva Jogyo que foi encarregado pelo Buda Sakyamuni da missão da propagação no Últimos Dias da Lei.
Na conclusão, ele diz a Ni-Ama Gozen que lhe conferirá o Gohonzon devido ao seu sincero espírito de fé, mas que não pode fazer o mesmo com O-Ama Gozen apesar dos seus sentimentos pessoais, porque a sua fé é ainda instável.
As mais Belas Histórias Budistas - As Escrituras de Nitiren DaishoninEndereço: http://www.vertex.com.br/users/san/goshos e-mail: sandro@vertex.com.br
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