O budismo é um caminho, um diálogo com a vida. É algo para ser facilmente compreendido e vivido. É um veículo, uma espécie de balsa para atravessar um rio.
“No budismo, o suporte é a consciência cotidiana comum, ou seja, é o ser humano comum, tal como cada um é. Enquanto meio, caminho, diálogo, o budismo é um relacionamento constante, permanente entre mestre e discípulo. Quando muitas vezes se afirma que no budismo não há dogmas, a despeito de não haver religião sem dogma, faz sentido a afirmação. O budismo é muito mais do que uma religião, do que uma doutrina. É um riquíssimo caminho de espiritualidade, em constante processo de atualização, de mutação, sem apegos a visões ortodoxas, rígida ou não. Falo aqui do Budismo de Nitiren Daishonin, em que “destruir relações e levantar dúvidas” indica uma repentina inversão nas crenças e convicções que as pessoas vinham mantendo até aquele momento. É uma mudança decisiva na visão de mundo já existente. (...) Sob uma perspectiva mais profunda, isso equivale a uma revolução espiritual que transforma completamente a visão das pessoas em relação à vida, à existência humana, à sociedade e ao mundo.”2 Eis a primeira diferença: o espiritismo é uma doutrina. O budismo é um meio, um diálogo, um caminho.
Outra diferença
O budismo não vê Deus como um ser transcendente, criador de todas as coisas, uma divindade externa. Ensina Daisaku Ikeda: “No mais profundo interior de todos os seres, existe a primacial força que faz com que vivam. A mesma força suporta a matéria inorgânica no sistema de harmonia e ritmos da grande existência cósmica. No budismo, essa força total é denominada por muitos nomes, porém, o mais apropriado é Myoho, a Lei Mística. Essa é a energia de que precisa toda vida, que cria e recria a existência, tanto a espiritual como a material.
“Quando essa força se manifesta no mundo físico, aparece como um sistema que governa o mundo inorgânico, que torna possível a composição química e que controla as pulsações do Universo. Em outras palavras, as leis da física, da química e da astronomia são simplesmente particulares manifestações fenomenológicas da Lei Mística do cosmo. Da mesma forma, a força vital cria o mundo do espírito, cria a inteligência, dá força aos desejos e aos instintos e, assim, produz todas as variações da atividade mental e espiritual. É o que em outras religiões é chamado de Deus, mas diferente da Divindade Maior pelo fato de ser perfeitamente imanente no cosmo e na vida humana. Não é uma força fora do Universo; É o próprio cosmo. A verdadeira natureza do cosmo e da vida é a fusão das leis física e espiritual da vida. É o processo que cria a existência e a faz desdobrar-se infinitamente”.3
A fonte da vida não está na idéia de um Deus criador, transcendente ao cosmo. “Para Nitiren Daishonin, o ‘princípio fundamental’ significa a essência da vida no cosmo ou, em outras palavras, a corporificação da Lei Mística.”4
Como já dito, no espiritismo, os seres são constituídos de corpo, espírito e perispírito. No budismo, essa constituição também é diferente. Segundo Nitiren Daishonin, “a devoção de uma existência é às leis físicas e espirituais da vida. O princípio fundamental revela que as duas leis são aspectos inseparáveis de cada vida”.5 O presidente Ikeda esclarece esse ponto, dizendo: “Em última análise, isso quer dizer que a dedicação a Buda e à Lei se resolve na fé da própria vida, que é uma perfeita unidade do físico e do espiritual”.6 Portanto, não existe a dualidade corpo-espírito, muito menos a trindade corpo-espírito-perispírito. Todos os seres são unos. As atividades físicas são inseparáveis das atividades espirituais e vice-versa. “Na concepção de Nitiren Daishonin, o Universo executa os movimentos rítmicos nos quais os mundos físico e espiritual se fundem. (...)
“A existência do homem é uma forma de ação da vida cósmica e está conectada com a mais profunda força do Universo. A vida dos homens, como a do cosmo, consiste de uma indivisível entidade de elementos físicos e espirituais. Nitiren Daishonin se referia a isso — assim penso — quando disse que a palavra “kimyo” significa ‘devoção a Buda e à Lei’. Desdobrou a palavra, explicando: ‘‘‘Ki’ se refere à lei física da vida e ‘myo’ à espiritual. (...)
“A lei espiritual de todos os seres vivos é fundada na existência do cosmo. Tem, com a existência do homem, um único núcleo fundamental da energia e as duas participam da fusão e dos seis rítmicos movimentos. As duas estão sujeitas a uma contínua e constante mudança”.7
Vida após a morte
Segundo o presidente Ikeda, “é um equívoco pensar tanto na vida como na morte em termos absolutos, tomar uma e ignorar a outra. Ambas são fases intrínsecas da existência humana. A vida flui eternamente em grandes ondas, alternando com a morte — indo e vindo — através do tempo. Sakyamuni percebeu isto recordando o fluxo das suas próprias vidas. Sua doutrina não era qualquer doutrina romântica da imortalidade surgida de uma vontade de viver. Pelo contrário, ele percebeu que a vida é eterna porque a lei de causa e efeito ordenou as suas próprias séries de existências. No seu conceito, a morte ocorre para que possa haver uma nova vida. Sua função é como a do sono, que é um período de descanso antes de um novo despertar.
“Essa idéia é expressa no capítulo do Sutra de Lótus dedicado à vida eterna de Buda, no qual a morte é vista como um expediente, não para ser ignorado, pois é subordinado à existência. Essa visão é, em muitos sentidos, um hino à vida que, no entanto, não nos obriga a evitar ou esquecer a morte. O objetivo do Sutra de Lótus — como o de Sakyamuni — é o de nos capacitar ao gozo da alegria da vida sem ignorar a natureza e a essência da morte”.8
Para o budismo, nosso eu é parte integral da existência cósmica. “Mesmo dentro de uma pessoa em estado de Inferno, mantém-se vivo o supremo estado de Buda, pois a energia da Lei Mística permeia as correntes profundas da morte. Pleno de uma compaixão profunda, o Buda ilumina as realidades da vida e da morte justamente como são. Esse é o reflexo do discernimento de Buda sobre a realidade constante e fundamental de todas as formas de vida, como é também a expressão da possibilidade de salvação destinada ao alívio do sofrimento da morte”.9
Portanto, diferentemente do espiritismo, no budismo, a reencarnação (transmigração, segundo o budismo) não se dá para aprimoramento dos espíritos; é uma seqüência natural da vida, um ciclo permanente.
Por outro lado, a lei de causa e efeito a que se refere o texto não tem conotação moral. Trata-se do princípio da causalidade segundo a qual todos os fenômenos provêm de causas e condições.
Notas: 2. Brasil Seikyo [BS], edição nº 1.451, 7 de março de 1998, pág. 3. 3. IKEDA, Daisaku. Vida — Um Enigma, uma Jóia Preciosa. Rio de Janeiro: Editora Record, 1982, pág. 28. 4. Ibidem. 5. Ibidem, pág. 23. 6. Ibidem. 7. Ibidem, págs. 28-29.
Um comentário:
Adorei seu blog. Precisei procurar sobre shijo kingo e no google mostrou o seu blog e não o da BGSI. Vc é referência na NET.
Parabéns
Marcos Martins/RJ
Postar um comentário